VILA SOCÓ X CÉSIO 137: TRAGÉDIA OU IMPRUDÊNCIA?






Olá, pessoal...

Esse post traz para vocês dois fatos distintos que marcaram o país e o mundo na década de 80. 

Uma não foi considerada uma mera tragédia para quem acompanhava ao vivo na TV na época e sim uma catástrofe anunciada e a outra, considerada o maior acidente radioativo do país e do mundo perdendo somente para Chernobyl que iremos em breve relatar aqui no Blog para vocês.

Vale lembrar a todos os leitores, que as imagens contidas nesse post são fortes e reais provenientes da mídia da época. 

Se vocês gostam de tragédias que marcaram o país e o mundo, sejam bem vindos e confiram pois a viagem começa a partir de agora...


VILA SOCÓ - CUBATÃO, 1984:








Trata-se de uma pequenina vila de moradores que ali residiam em casas de palafitas suspensas por pontes de madeira sobre o mangue e adutoras advindas da refinaria da Petrobrás, Presidente Bernardes, em Cubatão litoral sul de São Paulo.






Na época da tragédia ao todo viviam aproximadamente 3.000 pessoas a maioria eram comerciantes, pescadores, trabalhadores braçais e caminhoneiros e por ganharem pouco, não tinham condições de morar em outro lugar e fincaram "raízes" em Vila Socó.

No início desse relato, mencionamos que a vila era cercada de indústrias mas também era próxima ao porto de Alemoa, um complexo do Porto de Santos também situada no litoral sul, um dos maiores portos da América Latina.

A única diferença dessa vila para as demais na região é que ela está suspensa por palafitas de madeira e próxima à Rodovia Anchieta e quem se dirige para Santos e outras localidades, não há como não ter avistado uma grande vila com casas de palafitas no local e embaixo dela passa adutoras advindas da refinaria da Petrobrás.






Dias antes que sucederam a tragédia catastrófica, alguns moradores sentiram um forte cheiro principalmente de madrugada e segundo eles é o horário que a refinaria libera os combustíveis nas adutoras. Por estarem acostumados com o cheiro, ninguém percebeu o vazamento ocasionado por um forte pressão que rompeu parte dela derramando até o dia D, mais de 500.000 litros de gasolina.

Com medo e preocupados, os moradores tomaram algumas medidas de precaução na tentativa de amenizar o problema: ninguém poderia fumar dentro da vila onde fica o mangue, o gás eram substituídos por novos pelos moradores em dias agendados e após seu uso no fogão, todos foram orientados a desligarem a mangueira para evitar qualquer tipo de explosão.

Todos sabiam que o perigo estava abaixo de seus pés diariamente e o forte cheiro de gasolina tornou-se rotina até o dia 24 de fevereiro de 1984.

Um morador saiu de seu barraco para fumar e esqueceu-se das orientações de não fumar em cima do mangue e o local para fumar era fora da vila. Ele simplesmente acendeu o cigarro com palito de fósforo e jogou no mangue ocasionando o princípio de explosão atingindo 5 barracos as chamas alcançaram 15 metros de altura podendo ser vista da orla da praia e no cais do porto de Alemoa e Santos.










As pessoas aos poucos que conseguiram sair de seus barracos, gritaram fogo para que todos saíssem imediatamente. A essa altura, algumas pessoas caíram e morreram pisoteadas, outras morreram intoxicadas pela fumaça e outras centenas, morreram carbonizadas. Algumas ficaram desaparecidas. 














O tal desaparecimento dessas pessoas está na forma em que morreram: morreram queimadas a ponto de serem cremadas.






As  pessoas  que conseguiram escapar, saíram correndo desesperadas para o acostamento da rodovia Anchieta para pedir socorro e ajuda.

Acreditando que a origem das chamas fosse de uma indústria próxima, os brigadistas de incêndio se dirigiram até o local e para surpresa de todos, não se tratava de uma indústria e sim Vila Socó. De pronto, as primeiras viaturas do corpo de bombeiros chegaram até o local. Porém não foi nada fácil combater as chamas: o primeiro obstáculo era o vento que ajudou a consumir a vila rapidamente. O segundo obstáculo foi a quantidade de água e hidrantes para o combate das chamas. O terceiro obstáculo e desafio era retirar os feridos de dentro da vila e encaminhá-los aos hospitais da região.














No segundo obstáculo, os brigadistas dos portos e bombeiros pediram reforços para o combate às chamas das cidades mais próximas como Santos, São Vicente, São Bernardo do Campo e Santo André todos compareceram para auxiliar do respaldo e contagem dos mortos.

Segundo registros oficiais da época 93 pessoas morreram. Denota-se que essa contagem não condiz com a realidade, sabendo que na vila tinham 3.000 famílias, sendo que 200 eram crianças menores de 10 anos, incluindo bebês. 










Vale ressaltar que nem todos os moradores estavam na vila no momento da explosão que ocasionou a tragédia, pois estavam trabalhando ou visitando familiares e amigos em cidades próximas. 

Ainda no registro oficial divulgado na mídia ocasionou um cabo de guerra entre Petrobrás e Ministério Público.

Petrobrás deu nota na época primeiramente lamentando o ocorrido. A empresa alegou que periodicamente seus funcionários altamente qualificados fizeram a vistoria nas adutoras de combustível que cortam a região da Vila Socó. 

Assim que souberam pelos moradores o vazamento de gasolina no mangue, os funcionários estavam trabalhando para contornar a situação e que os moradores se recusaram a sair de suas casas por motivo de não terem para onde ir.

E para finalizar a nota, empresa alegou que se os moradores não houvessem construído suas casas em cima das adutoras, a tragédia teria sido menor.

Obviamente que a nota divulgada pela Petrobrás causou revolta e indignação aos sobreviventes da tragédia, à mídia e Ministério Público.

Por outro lado, o Ministério Público por sua vez, foi mais contundente nas declarações. Também lamentou a tragédia assim como a imprudência e falta de interesse da Petrobrás em efetuar a manutenção da adutora que se rompeu e por ter liberado ao mangue mais de 500 mil litros de gasolina.

Em momento algum a Petrobrás providenciou abrigo provisórios a todos os moradores para que a vila fosse evacuada sob risco de explosão. Após o ocorrido, nenhum auxílio foi providenciado aos sobreviventes.

Ainda na nota o Ministério Público ressaltou que os moradores foram vítimas de um crime assim como Cubatão foi vítima de um crime ambiental sem tamanho. 

Para reforçar e rebater as declarações da Petrobrás duas perguntas foram levantas: Em qual momento a Petrobrás sinalizou com placas a presença de adutoras na vila socó? Sabendo das notificações de moradores sobre o forte cheiro, por que razão nada foi feito para evitar a tal tragédia?

Décadas passaram as famílias foram indenizadas. O local está devidamente sinalizado, a região foi urbanizada, a vila mudou de nome para Vila São José e um memorial foi erguido para que a tragédia jamais seja esquecida.















Aos que ficaram somente algo não mudou: a saudade dos que morreram na tragédia.




CÉSIO 137  -  GOIÂNIA, 1987:






Eis o maior acidente radioativo ocorrido fora de uma usina nuclear do mundo, perde somente para o acidente nuclear de Chernobyl em 1986, que posteriormente relataremos aqui para vocês.

O agende causador do acidente foi o Cloreto de Césio (CsCl) de cor azulada que é iluminado somente na ausência de luz. Enganam-se que nesse momento ele não transmite radiação por acreditar que somente é possível com a luz do Sol. 






Ao contrário do que todos imaginam, quando ele é iluminado transmite radiação assim como na presença de luz onde o reagente "gruda" em qualquer superfície: sapatos, vestimentas, alimentos, solo, plantas, animais, na pele, cabelos, lençol freático. 

Os principais sintomas aos "sortudos" do césio são: náuseas, tonturas, diarreia. 

Tudo começou no dia 13 de setembro de 1987 quando dois catadores de sucata entraram nas ruínas do Instituto Goiano de Radioterapia já que a clínica mudou de endereço em 1985, deixando para trás um aparelho de radioterapia.




O antigo instituto não poderia imaginar o que estava para acontecer quando os dois catadores de sucata vendeu o aparelho ao dono do ferro velho Devair Ferreira.








Dois dias depois Devair e seus funcionários iniciaram a abertura da máquina para recolhimento de peças consideravelmente valiosas para o descarte: ferro, chumbo e alumínio caso houvesse.




Horas depois Devair encontrou dentro da máquina uma cápsula que ao manuseá-la acidentalmente, deixou cair um pó azulado que iluminou o chão do estabelecimento e o mesmo chamou os dois funcionários para ver.

Encantados e impressionados com o que viram, pediram para eles levarem um pouco para suas casas para esposas e filhos olharem.

Devair ficou com a peça dentro de sua casa, para resolver o que faria posteriormente. Mal sabiam que o césio estava contaminando todo o ambiente não somente o ferro velho como também a residência de Devair e as pessoas que ali residiam, alimentos, e todos os objetos em si.

Dias depois, chamou seu irmão Ivo Ferreira ver o pó iluminado e o mesmo não acreditou no que estava vendo e encantado, lembrou de sua filha Leide e pediu para levar o pó de césio para sua casa. 






Ao chegar em casa ele mostrou para esposa e sua filha que acabou brincando com o pó azulado e não lavou as mãos e contaminou os alimentos com o césio contaminando a menina internamente. 

No dia 23 de outubro de 1987, Leide Maria das Neves Ferreira morreu e no mesmo dia morreu a esposa de Devair, Maria Gabriela.

Isso não foi o suficiente para atenuar a tragédia. Os primeiros contaminados saíram a procura de auxílio médico desesperados com o aumento dos sintomas. Eles foram em drogarias, postos de saúde, hospitais. Porém foram tratados como doenças contagiosas.

Maria Gabriela diante da situação fora de controle, não pensou duas vezes em procurar auxílio na Vigilância Sanitária de Goiânia. Essa mulher teve um papel importante ao levar a cápsula desmontada da máquina  para os agentes de saúde.

Caso não o levasse, a contaminação poderia ser maior, correndo o risco de Goiânia ser contaminada com o sal de césio.

Maria Gabriela relatou aos agentes de saúde que tudo começou quando o seu marido, dono de um ferro velho desmontou um aparelho estranho e tirou a cápsula de dentro dele e em poucos minutos começou a brilhar um pó de cor azulada.

Os funcionários pediram para que ela deixasse a cápsula com eles e que procurasse o hospital imediatamente e explicaram para ela que os sintomas estão relacionados com a contaminação de césio 137.

Assim que Maria Gabriela saiu do local, a cápsula permaneceu na cadeira por dois dias. Tempo suficiente que a instalação fosse também contaminada por não ter sido embalada corretamente. E no mesmo dia, a Vigilância Sanitária pediu auxílio ao CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear. 

Se antes havia dezenas de contaminados, o número multiplicou rapidamente para 1.000 pessoas contaminadas pelo césio 137, que somente foi descoberto após a Comissão ordenar a Vigilância Sanitária examinar todos os moradores de Goiânia. 









E para piorar a situação, as pessoas contaminadas não puderam mais retornar em suas casas, tiveram seus pertences apreendidos, como utensílios, móveis, eletrodomésticos armazenados em containers para serem encaminhados ao aterro distante de Goiânia seguindo padrões de segurança impostos pelo IBAMA, CENEN e CEMAM --- Conselho Estadual do Meio Ambiente.

Os animais domésticos foram sacrificados para anular o efeito da contaminação.

Todos os contaminados foram separados e isolados no estádio Olímpico Pedro Ludovico e no local foram instalados centro médico para a desintoxicação por césio 137.












A cápsula foi armazenada em um compartimento de ferro e chumbo e encaminhada para o Rio de Janeiro onde permanece atualmente em um museu restrito á população. Somente funcionários qualificados tem acesso ao material.

Os imóveis passaram por processo de descontaminação através de limpadores a vácuo desde o chão até os telhados. Os telhados que continham alto teor de radiação de césio, foram removidos e substituídos por novos, assim como pisos e azulejos. Para que as pessoas pudessem ter um vida normal após a descontaminação, onde receberam a indenização para comprar novos pertences, vestimentas e utensílios para casa.

As crianças somente retornaram à escola após receberem alta do tratamento.

Durante o processo de descontaminação, uma surpresa sombria foi levantada pelos técnicos. Na casa onde a menina Leide residia, foi encontrado na fossa restos do pó de césio 137 quando o Ivo ao saber da morte da filha, jogou o material no vaso sanitário. O acidente não foi maior porque o material permaneceu no encanamento. 

O material foi recolhido e descartado pela equipe do CENEN.

Os mortos vítimas do césio 137 foram enterrados seguindo os padrões de segurança. Caixões lacrados armazenados em blocos de ferro e concreto e sepultados com ajuda de um guindaste isolado dos demais túmulos para evitar a contaminação.











A população desinformada, no dia do enterro da menina Leide, jogaram pedras para evitar que a garotinha fosse sepultada no cemitério. O local foi isolado e somente os familiares tiveram o acesso permitido no cemitério. 

A polícia local isolou a área proibindo a aproximação dos demais populares.



AS VÍTIMAS DO CÉSIO:



Apresentaremos as vítimas do acidente e os sintomas que as levaram à óbito:

Leide Maria das Neves, 6 anos - Filha de Ivo Ferreira, apresentou inchaço na parte superior do corpo, queda de cabelo, danos nos rins, pulmões e sofreu hemorragia interna. Teve septicemia (infecção) e infecção generalizada. Morreu no dia 23 de outubro de 1987.

Maria Gabriela, 37 anos: esposa de Devair, apresentou hemorragia, nos membros, olhos, trato digestivo, queda de cabelo. Morreu no dia 23 de outubro de 1987.

Israel Batista dos Santos, 22 anos : funcionario do ferro velho de Devair. Se contaminou no momento da desmontagem do aparelho de radioterapia. Ele apresentou doença respiratória grave e complicações linfáticas. Morreu no dia 27 de outubro  de 1987, seis dias depois de ser internado no hospital.

Admilson Alves de Souza, 18 anos: funcionário do ferro velho de Devair que também ajudou na desmontagem do aparelho. Apresentou lesão pulmonar, hemorragia interna e danos ao coração. Morreu no dia 28 de outubro de 1987.

Devair Alves Ferreira, dono do ferro velho que comprou o aparelho de radioterapia de dois catadores de sucata e contou com auxílio de dois funcionários para a desmontagem do mesmo e encontrou o pó de césio dentro de uma cápsula recém rompida por ele mesmo que desencadeou a contaminação. Apresentou sérios problemas internos, perda de cabelo ao longo dos anos. Sentindo-se culpado pela tragédia, tornou-se alcoólatra e contraiu câncer devido à alta quantidade de radiação por ele sofrida.  Morreu 7 anos depois em 1994.

Ivo Ferreira, irmão de Devair e pai da menina Leide das Neves que virou símbolo da tragédia. Ele foi um dos poucos que sofreram radiação de césio. Porém, logo após a perda de sua filha, sofreu de depressão por sentir-se culpado pela morte da menina, passando também a fumar seis maços de cigarro por dia. Ao longo dos anos, passou a sofrer de efisema  pulmonar devido ao tabagismo e faleceu em 2003, 16 anos depois da tragédia.

Vocês supostamente devem estar se perguntando: Para onde foi levado o lixo radioativo (os pertences das vítimas contaminadas por césio 137)? 

As autoridades responsáveis pelo processo de descontaminação da população, removeram aproximadamente 6 mil toneladas de lixo atômico que na época foi classificado como perigoso ao meio ambiente por apenas 180 anos, localizado em Abadia de Goiás.









E para garantir a segurança do armazenamento, foi construído uma montanha artificial onde ali permanecem lacrados e revestidos por uma parede de 1 metro de espessura de concreto e chumbo.


INFORMAÇÕES ADICIONAIS:



Completando 3o anos do acidente radioativo, a Justiça não perdeu tempo. Analisou o caso desde o início e apontou irregularidades, ou seja, para a Justiça não houve dúvidas. 

Se a clínica não abandonasse o aparelho nas circunstâncias em que foi localizado, o acidente poderia ter sido evitado.

Para a Justiça, os médicos do extinto Instituto Goiano de Radioterapia: Carlos Bezerril, Criseide Dourado e Orlando Teixeira juntamente com o físico responsável pelo aparelho Flamarion Gourlat foram apontados por unanimidade como responsáveis pelo acidente e condenados por homicídio culposo das quatro primeiras vítimas fatais do acidente com Césio.

O dono do prédio Amaurillo Monteiro, também foi responsabilizado judicialmente.

E para surpresa de quem clamava por Justiça, em 1998 todos os réus foram absolvidos em decorrência do indulto presidencial.



O ACIDENTE RADIOATIVO NAS TELONAS:





O acidente com o Césio 137 em 1987, inspirou a sétima arte que em 1990, lançou um filme denominado "Césio 137 - O Pesadelo de Goiânia", com direção de Roberto Pires.

Baseado em fatos reais, a película relatou com riqueza de detalhes sobre o acidente que marcou o país.

Quem ainda não prestigiou esse filme, vale a pena conferir...

Não somente no cinema que o acidente não ficou esquecido, como também sob forma de documentário jornalístico especial da emissora Rede Globo.





Em 2007 quando o acidente iria completar 20 anos, o programa "Linha Direta Justiça" lançou um documentário especial relatando o ocorrido em 1987, contando com grande elenco para relatar tudo o que aconteceu em Goiânia.








E no mesmo ano da divulgação da Rede Globo, o Greenpeace fez um manifesto em frente ao palácio do governo do Estado de Goiá, clamando justiça em prol às vítimas e sobreviventes à tragédia do Césio 137 que na época completou 20 anos.

Quem ainda não viu a esse documentário, vale a pena conferir.

Esse foi um breve relato sobre esse duelo que poderiam ter sido evitados e que marcaram o país e o mundo pelo descaso, despreparo, imprudência e negligência. 

Até mais...











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